Os Jardins do Presidente,
de Muhsin Al-Ramli
Palavras Sublinhadas
20/6/2021
Muhsin Al-Ramli nasceu em 1967, numa aldeia do norte do
Iraque. É romancista, poeta, dramaturgo, académico e tradutor. Os Jardins do
Presidente, publicado pela Topseller, entrou na longlist do International
Prize for Arabic Fiction, conhecido como o «Booker árabe». Vive em Madrid desde
1995. «Um romance extraordinário passado no Iraque de Saddam Hussein, que traz
à memória Cem Anos de Solidão e O Menino de Cabul»… Com esta frase intenta-se
seduzir o leitor a entrar neste mundo fabuloso que, de início, evoca realmente
a atmosfera de Macondo ou o imaginário do realismo mágico latino-americano:
veja-se, por exemplo, o caso de Isma’il que em rapaz cortou a língua de um bode
e desde então perde a voz, até que anos depois as palavras que lhe saem num
grito coincidem com o momento em que «reza a história antiga, (…) uma estranha
massa amorfa com um corpo gigante e uma cabeça minúscula chamada América
atravessou os mares e ocupou um país chamado Iraque» (p. 8) A primeira frase do
romance é, aliás, tão emblemática como o início da obra-prima de García
Márquez: «Num país onde não havia bananas, ao terceiro dia do Ramadão, a aldeia
deparou-se, ao acordar, com nove caixas de bananas, cada qual contendo a cabeça
degolada de um dos seus filhos.» (p. 7). Todavia Os Jardins do Presidente, de
Muhsin Al-Ramli, é uma narrativa que rapidamente se distancia de tudo e ganha
vida própria. Tariq, Abdullah Kafka e Ibrahim nascem em 1959, em meses
seguidos, e desde logo se tornam inseparáveis. Até que a guerra contra o Irão
deflagra (e dura 8 anos), e Abdullah é preso pelas forças iranianas em 1982. Em
1990, o Iraque invade o Kuwait. A guerra torna-se o estado natural das coisas e
«quanto mais se adentravam no deserto (…) mais mergulhavam na guerra» (p. 59).
Em 1991, as forças aliadas desencadeiam o ataque terrestre a partir das areias
da Arábia Saudita: «O deserto, que se vira abandonado durante séculos, foi
transformado num mar de ferro e fogo. O cenário era nada menos que
apocalíptico, demonstrando o poder que aquela pequena criatura, o homem,
conseguira alcançar, capaz de transformar a face da natureza de forma
aterradora e esmagadora.» (p. 62) Nas primeiras 200 páginas temos uma narrativa
intrincada repletos horrores da guerra, mas sobretudo de histórias que se
cruzam. Todas as personagens têm a sua história, sempre contada na primeira
pessoa, como é o caso de Ibrahim que procura deixar o seu legado à sua filha
Qisma (significa destino), vendo-a como a extensão natural da sua história. O
romance passa depois a uma segunda parte, no que parece uma estrutura
desarmoniosa, mas conforme prosseguimos percebemos como se fecha o círculo
deste mundo, tanto que o penúltimo capítulo é um eco do primeiro, voltando à
frase de abertura do romance. É quando Ibrahim se muda para a cidade de Bagdad
que o romance ganha outro fôlego. Como funcionário nos jardins de um dos vários
palácios do Presidente, Ibrahim é supervisionado por Sa’ad, que ao longo de
várias páginas, descreve a opulência dos “palácios do povo”, em descrições
hiperbólicas ao estilo dos contos das Mil e Uma Noites. A única vez em que
Ibrahim avista o Presidente no jardim é justamente quando ele assassina um
músico emblemático do país. O próprio nome de Saddam Hussein, ao jeito do
realismo mágico, nunca é mencionado; quando Qisma dá o nome do líder ao filho,
Ibrahim recusase terminantemente a chamá-lo pelo nome. Ibrahim é depois
promovido de jardineiro a coveiro, enterrando milhares de corpos sem nome,
«vítimas de um reinado impiedoso de terror», nos jardins do Presidente…
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1 comentario:
Este es un conocimiento realmente informativo, gracias por publicar esta información informativa. iabogadosnet
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